23 de agosto de 2012

O Léxico

O LÉXICO[1]


Quando dizemos que sabemos uma palavra de nossa língua, levamos em conta uma enorme quantidade de informações. Uma das tarefas da linguística é dar conta desse conhecimento, e essa tarefa não é fácil.

Um modo de representar o conhecimento que um falante tem de sua língua é propor que a morfologia interage com todos os outros níveis de representação. Uma parte (ou subcomponente) da morfologia, aquela que trata da derivação e da composição, interage com o léxico; outra, aquela que trata da combinação de radicais e propriedades morfossintáticas, interage com a sintaxe; e ainda a parte que focaliza a forma de palavra que resulta da flexão interage com a fonologia (vide Spencer, 1991: 422-459 – para um panorama acerca das diferentes visões).

A visão mais tradicional do léxico foi exposta na clássica obra de Bloomfield (1933:269):

"Uma descrição completa de uma língua listará toda forma cuja função não é determinada seja por estrutura, seja por um marcador; incluirá, consequentemente, um léxico, ou lista de morfemas, que indica a classe de formas de cada morfema bem como listas de todas as formas complexas cuja função seja de algum modo irregular."

Segundo tal proposta, o léxico é uma lista de irregularidades, de fatos imprevisíveis. Em outras palavras: faz-se uma lista daquilo que não pode ser captado (ou descrito) por uma regra, porque é excepcional de algum modo. O que pode ser apreendido por regras pertence à gramática.

Quando falamos em irregular, imprevisível, temos em mente a arbitrariedade do signo. Não há como prever que a sequência fônica peixe esteja associada, em português, ao significado que pode ser glosado como ‘tipo de animal que vive na água’. Não há regra que diga como associar sequências sonoras a significados. Mas não é exatamente qualquer palavra. Se tivéssemos algo como peixinho, por exemplo, e levando em conta os diminutivos em português, chegaríamos à conclusão de que peixinho é regular. Aliás, falar em diminutivos é mostrar que podemos estabelecer alguma generalização a respeito do vocabulário do português: aumentativos, agentivos...

Compreender o léxico como o lugar da irregularidade, do que é imprevisível, nos leva a considerar que contém palavras existentes na língua, mas não todas. Os requisitos necessários pedem, pelo menos, que sejam (v. Aronoff & Anshen, 1998):

a) palavras primitivas, que representam a arbitrariedade do signo, como PEIXE, PEDRA;

b) palavras complexas que apresentem alguma parte que não é reconhecida pelo falante: se um falante desconhece CAÇO ou uma regra que forme aumentativos em –oila, dificilmente reconhecerá CAÇOILA[2];

c) palavras cujo significado não é deduzível de sua estrutura, como AMÁVEL, por exemplo. Também serão incluídas no léxico expressões idiomáticas cujo significado não se segue de suas partes formadoras: chutar o pau da barraca (‘dizer tolices’), tirar uma pestana (‘dormir’) e assim por diante, como também formas flexionadas irregulares.


O léxico representa o conjunto de palavras que está disponível para a atuação das regras da morfologia. A morfologia lida, portanto, segundo esta visão, “com a estrutura interna das palavras complexas potenciais de uma língua” (Aronoff & Anshen, 1998: 237 – ênfase nossa). As palavras no léxico – ou lexemas ou, uma vez que pensamos numa lista, os itens lexicais – pertencem a classes abertas, isto é, a classes que, sincronicamente, podem admitir novos membros e apresentam significado lexical.

A grosso modo, léxico pode ser definido como o acervo de palavras de um determinado idioma. Em outras palavras, é todo o conjunto de palavras que as pessoas de uma determinada língua têm à sua disposição para expressar-se, oralmente ou por escrito. Podemos dizer que uma característica básica do léxico é sua mutabilidade, já que ele está em constante movimento. É só notarmos o fato de que algumas palavras se tornam arcaicas, enquanto outras são incorporadas, outras mudam seu sentido, e tudo isso ocorre de forma gradual e quase imperceptível. O sistema léxico de uma língua traduz a experiência cultural acumulada por uma sociedade através do tempo, ou seja, o léxico pode ser considerado como o patrimônio vocabular de uma comunidade lingüística através de sua história, um acervo que é transmitido de uma geração para a geração seguinte. O usuário da língua utiliza o léxico, esse inventário aberto de palavras disponíveis no seu idioma, para a formação do seu vocabulário, para sua própria expressão no momento da fala e para a efetivação do processo comunicativo. Assim, o vocabulário de um indivíduo caracteriza-se pela seleção e pelos empregos pessoais que ele faz do léxico. Quanto maior for o vocabulário do usuário, maior a possibilidade de escolha da palavra mais adequada ao seu intento expressivo[3].


Observe algumas palavras presentes na língua portuguesa que são provenientes de outros idiomas:


  Termos Ibéricos  

  Termos Célticos  

  Termos Gregos  

  Termos Hebraicos  

          Arroio

Cabana

Anjos

Aleluia

Bezerro

Bico

Apóstolos

Amém

Cama

Carpinteiro

Bíblia

Éden

Esquerdo

Cerveja

Diabo

Serafim

  Termos Germânicos  

  Termos Sânscritos  

 Termos Chineses   

 Termos Japoneses    

Arreio

Açúcar

Nanquim

Biombo

Anca

Gengibre

Chá

Gueixa

Espeto

Rajá

Ganga

Quimono

Sul

Nirvana

Tutão

Samurai


 

Em definição do Dicionário Aurélio, léxico é:

1. Dicionário de línguas clássicas antigas.

2. Dicionário dos vocábulos us. por um autor ou por uma escola literária; léxicon.

3. Dicionário abreviado.

4. Dicionário.

5. O vocabulário de uma língua.

6. Lexical: análise léxica; família léxica. ~ V. análise —a e família —a.


[...] O léxico é composto de grande número de itens (itens léxicos), e cada um deles encerra informação sobre as características fonológicas, morfológicas, sintáticas e semânticas de uma palavra (melhor dizendo, de um lexema – ver adiante), de um morfema, ou ainda de uma expressão idiomática.




 CARÁTER DO LÉXICO


Para compreender o papel do léxico dentro da gramática, consideremos o que significa saber uma língua. Para que alguém saiba uma língua, é necessário que domine (na prática) uma série de regras; assim, para saber português, é preciso saber que não se pronuncia um [o] (como em avô) no final de uma palavra se esta não for oxítona; ou seja, o que se ouve no final de Pedro é antes um [u]. É preciso também saber que se pode dizer escrevi, escreveu, escrevendo, escrevemos, mas não *escrevinha, *escrevemente, *escrevíssimo. Outra coisa que se pode aprender é que se pode dizer O livro caiu nesse buraco, mas não *Livro o caiu buraco nesse.

Todos esses conhecimentos são expressos por regras, ou seja, instruções gerais para a construção dos enunciados da língua portuguesa. Cada uma das três regras mencionadas vale para grande número de itens, desde que satisfaçam às condições expressas na própria regra, assim, a proibição de pronunciar [o] vale para qualquer vogal átona final de palavra; a proibição de acrescentar o sufixo –mente vale para qualquer forma de verbo; e a sequência *livro o é proibida por regras que estabelecem que o artigo deve vir sempre antes do substantivo, nunca depois dele. Justamente por se aplicarem a muitos itens, sendo estes definidos de maneira geral, é que se chamam regras.

Além desse tipo de conhecimento, constituído por regras mais ou menos gerais, saber uma língua também implica o conhecimento de grande número (vários milhares) de elementos individuais, cuja forma e significado não são governados por regras. É o caso, notadamente, das palavras da língua: além de conhecer as regras fonológicas, morfológicas, sintáticas e semânticas do português, precisamos conhecer a lista das palavras do português.

Nenhuma regra nos ajudará a saber o que significa, digamos, enólogo, É necessário conhecer a própria palavra (ou, o que é equivalente, os elementos constitutivos da palavra, pois esta se compõe de eno- mais –logo). E conhecer a palavra implica em conhecer sua pronúncia (começa com [e], depois vem um [n] etc.); suas propriedades morfossintáticas (pode ser núcleo de um sujeito, pode ocorrer depois de um artigo); e suas propriedades semânticas (designa uma pessoa que se ocupa do estudo ou da produção do vinho). 


Lexema é um conjunto de palavras que diferem apenas quanto a morfemas flexionais.




[1] Procedemos aqui a uma grande simplificação. O que efetivamente consta do léxico vara bastante mesmo no campo de uma teoria. Para muitos autores na perspectiva gerativa, parte da morfologia está no léxico. Para Anderson (1992), por exemplo, o léxico representa também uma forma de conhecimento e, por conseguinte, vai além da noção de lista. Assim, além do conhecimento da lista – que inclui minimamente a existência do item lexical, por exemplo CAMA, sua descrição fonológica [kama], seu significado, algo como ‘móvel que serve para as pessoas se deitarem’, a característica sintática de ser um nome –, o léxico inclui também “um sistema de regras, que são os modos de relacionar entre si as palavras até o ponto em que essas relações são (ao menos parcialmente) sistemáticas e, assim, parte de nosso conhecimento acerca das palavras” (Anderson, 1992: 182). Assumimos aqui a visão mais tradicional, que separa morfologia de léxico.

[2] Vaso cilíndrico de barro ou de metal para cozinha; caçarola.

[3] Definição extraída de Wikipédia, direção: http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%A9xico



Referências Bibliográficas

AMARAL, Emília et.al. Novas Palavras, Literatura, Gramática, Redação e Leitura. 2° Grau. Editora FTD. São Paulo. 1997.
BENTES, Anna Christina e Mussalim, Fernanda (org.). Introdução À Linguística, Domínios E Fronteiras. 6ª edição. Editora Cortez. São Paulo. 2006.
CARONE, Flávia de Barros. Morfossintaxe. 9ª edição. Editora Parma. São Paulo. 2004.
CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Gramática Reflexiva. Texto, Semântica E Interação. Editora Atual. São Paulo. 2005.
FARACO e MOURA. Gramática. Editora Ática. São Paulo. 1998.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Eletrônico versão 5.12. Positivo Informática: 2004
FERREIRA, Mauro. Aprender E Praticar Gramática. 2° Grau. Editora FTD. São Paulo. 1992.
JÚNIOR, Joaquim Mattoso Câmara. Estrutura Da Língua Portuguesa. 37ª edição. Editora Vozes. Rio de Janeiro, 2005.
KOCH, Ingedore Villaça. Linguística Aplicada Ao Português: Morfologia. 15ª edição. Editora Cortez. São Paulo. 2005.
MACAMBIRA, José Rebouças. Português Estrutural. 4ª edição. Editora Pioneira. São Paulo. 1998.
PERINI, Mário. A Gramática Descritiva do Português. São Paulo: Ática 2000.
PASCHOALIN, Maria Aparecida; SPADOTO, Neuza Terezinha. Gramática, Teoria e Exercícios. Editora FDT. São Paulo. 1996.
ROSA, Maria Carlota. Introdução À Morfologia. Editora Contexto. São Paulo. 2005.

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