5 de janeiro de 2013

Vácuo Matinal


Um frescor suave desperta a minha mente, meus ouvidos se abrem para o universo exterior a todos os vagos pensamentos; ao passo que minhas pálpebras tremulam sob o ir e vir de minha consciência. Meu espírito se enche de um contentamento abstrato, percebo então a melodia doce lá fora: é a chuva energizando meu novo dia.

Aos poucos a casa transparece vida, posso ouvir as palhas da velha vassoura roçando o chão e o toc-toc da bengala enquanto minha avó anda; ah, como esse som pacifica minha alma... O ruído seco de ferro e borracha em atrito com o chão me eleva a uma atmosfera onde a gravidade inexiste, onde tudo voa e se sacode com a liberdade que só a ausência de peso pode proporcionar, onde os temores e dissabores transformam-se em pontos de luz pequenos e distantes que se esvaem por entre meus dedos... Uma atmosfera onde resplandece a presença de um espírito santo que me faz lembrar, mais uma vez, por que estou aqui.
O céu cinzento com ares de preguiça tenta em vão esconder o sol; mesmo que ele conseguisse, eu ainda teria de me levantar e sair desse santuário de recolhimento que se tornou o meu quarto. A própria cama parece inflar-se na tentativa de me fazer erguer o corpo, meus dedos dormentes delatam o já conquistado hábito de dormir com a mão travada em torno do objeto de proteção; espero não ter problemas com isso algum dia, já tenho L.E.R. o bastante para uma só criatura.
Palavras soltas fluem como minha respiração, são trechos dos muitos textos longos que irei escrever por toda a minha vida. É uma pena que a maioria não resista tempo suficiente para que seja materializada no papel; as palavras dispersas, assim como os pensamentos, não ficam suspensas no ar à espera de alguém que vá colhê-las... Elas se vão e deixam um rastro ardente de saudade para quem as tentar aprisionar.
Fico pensando se todas as pessoas que escrevem possuem esse dom de produzir palavras ao acaso, de portar em si uma fábrica de pensamentos curtos e ligeiros que surgem não se sabe de onde nem por quê. É muito satisfatório descobrir habilidades que não são apenas minhas, desafios que qualquer um iria aceitar, suplícios que todos podem suportar... Há uma infinidade de pessoas que buscam diferenciar-se das demais, tencionam ser especiais, únicas, um destaque em meio à multidão; mas a verdade é que às vezes, se não sempre, é meio solitário ser o diferencial.

Uma pessoa admirada, detestada ou seja lá o que for, por todos e compreendida por ninguém pode até “fazer história” e jamais ser esquecida... Mas conseguirá atingir o ápice da vida e ser absolutamente feliz? Outra grande verdade é que todos, inclusive Deus, necessitam de um semelhante.
Os pequenos respingos já se tornaram grandes gotas de chuva, uma última olhada pelo quarto faz com que eu me depare com os contornos do filtro de barro, velho companheiro... Apesar dos constantes protestos e acusações de feiúra ele ainda está ali, e eu o acho lindo; aquele “achar” que vem muito menos do cérebro do que do coração. Por trás desses contornos há uma sombra amiga que não se esvai sob a pressão das horas... O dia finalmente me recebe, com braços que haviam sido estendidos desde os meus primeiros espasmos intelectuais e que já estão prontos a me conduzir até o berço da noite.
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