7 de março de 2013

Funcionalismo


A Importância Do Funcionalismo Linguístico.
(Breno Rodrigues de Paula)

O funcionalismo constituiu-se como um modo de pensamento e de analisar a linguagem e suas relações com o mundo. Ele surge a partir dos trabalhos do Círculo de Praga e do Círculo de Copenhague, a partir do qual nasce a Fonologia com Troubetskoï e a Glossemática com Hjelmslev. A linguística oriunda do Círculo de Praga constitui um tipo de revolução epistemológica nos enfoques europeus da língua, nos anos 20 do século passado. Ele combinou o estruturalismo e o funcionalismo a partir do postulado geral de que a estrutura das línguas é determinada por suas funções características.

O postulado de que a língua tem uma função, representou um grande avanço no estudo da Linguística na medida em que foi incorporando fatores extralingüísticos na análise linguística. Desta forma, a língua é aqui um sistema orientado para uma finalidade que é a da comunicação, ou seja, a língua possui funções. A função foi definida como a tarefa atribuída a um elemento linguístico estrutural para atingir um objetivo no quadro da comunicação humana. O postulado do Círculo de Praga ressalta duas funções gerais: a função de comunicação e a função poética, de modo que a primeira é dirigida para um significado e a segunda é dirigida para o próprio signo.
O funcionalismo privilegiou o método sincrônico, alegando que somente uma análise de todo o complexo de fenômenos que se produzem simultaneamente num dado momento permite apreender a interdependência sincrônica que os relaciona no sistema. A escolha da sincronia representou também a aproximação das pesquisas linguísticas com o campo social da arte e da criação.
A outra grande contribuição do funcionalismo pragueano foi o desenvolvimento da Fonologia com Troubetskoï. Ele instaurou e sintetizou a Fonologia como disciplina e ressaltou a necessidade de separar claramente a Fonética e a Fonologia. O som como fenômeno físico tornou-se o objeto da Fonética, enquanto que o som considerado nas suas funções tornou-se objeto da Fonologia. A partir da consideração da função do som, foi criado o conceito de fonema, uma unidade fonológica que não se deixa analisar em unidades fonológicas ainda menores e sucessivas. Seu conceito é, antes de tudo, funcional e se mostrou de grande ajuda para a instauração da Fonologia como disciplina autônoma.
O funcionalismo não se restringiu ao Círculo de Praga. Ele estendeu-se e desenvolveu novos conceitos a partir do Círculo linguístico de Copenhague, que teve a figura de Hjelmslev como principal expoente. A teoria esboçada por Hjelmslev afirma que a análise da língua é aquela de um conjunto de funções, isto é, de relações entre diferentes variáveis do mesmo processo. O objetivo da análise linguística consiste em interpretar toda formação dos signos como uma manifestação do sistema. Ele distingue três tipos de funções: as relações de interdependência (entre uma forma e outra – função interna), de determinação (entre uma forma e seu significado – função semântica) e de constelação (entre o sistema de formas e seu contexto – função externa).
Outra grande contribuição, feita por Hjelmslev, foi a introdução de um terceiro termo na relação “langue/parole” (desenvolvida por Saussure): a norma, procedendo a reinterpretação norma/uso/esquema. A norma é concebida como generalização coletiva do uso. Hjelmslev também afirma que o signo constitui uma função com duas variáveis, de modo que o significado é redefinido como conteúdo e o significante como expressão. Sua glossemática exerceu enorme influência sobre o desenvolvimento da semiótica européia e estadunidense.
O funcionalismo é de fundamental importância para a linguística contemporânea, suas premissas serviram de base e impulsionaram o desenvolvimento e a sistematização da Linguística como uma ciência. Suas premissas, sejam a partir do Círculo de Praga ou do Círculo de Copenhague, criaram uma nova forma de divisão epistemológica do conteúdo da Linguística, além de privilegiar o método sincrônico e desenvolver o principal conceito do funcionalismo: o conceito de função – com a função poética e a função comunicativa, sendo as estruturas das línguas determinadas por tais funções. Influenciou, inclusive, no desenvolvimento de novas abordagens teóricas neste campo: Teoria da Comunicação, Sociolingüística, Fonologia, Semântica Estrutural, Poética Estrutural, etc.
Ressalta-se a importante contribuição do psicólogo Karl Bühler, que desenvolveu uma teoria acerca das funções da linguagem onde há três funções no ato da comunicação: a expressiva, a informativa e a estética. Jakobson, posteriormente, fez sua contribuição adicionando novos conceitos e elementos ao processo comunicativo, como as noções de referente, emissor e receptor, e o canal, o código e a mensagem. Tabém renomeou as três funções anteriormente desenvolvidas por Bühler, identificando-as como função referencial, função emotiva e função conativa, acrescentando ainda mais três funções: fática, metalingüística e poética.
A título de exemplo, uma das noções desenvolvidas na Escola de Praga, foi a noção de marcação, que nas palavras de Barbara Weedwood conceitua-se: "Quando dois fonemas são distinguidos pela presença ou ausência de um único traço distintivo, diz-se que um deles é marcado e o outro, não-marcado para o traço em questão". (WEEDWOOD, 2002, p. 141)
Ainda segundo Barbara Weedwood, a principal contribuição do funcionalismo à ciência da lingüística, no período do pós-guerra, foi a distinção entre tema e rema, e a noção da "perspectiva funcional" da frase ou "dinamismo comunicativo" que é a forma de como a função comunicativa se relaciona com o contexto de um enunciado, determinando assim a estrutura sintática de uma frase. O tema pode ser entendido como tópico ou assunto psicológico; e o rema "é a parte que veicula informação nova".

O funcionalismo, pois, concebe a linguagem como um recurso que proporciona a interação social, permitindo aos indivíduos relacionarem-se e expressarem-se uns com os outros validamente.
O funcionalismo é expresso de forma clara na citação: "A linguagem não é simples emissão de sons, nem simples sistema convencional, como quer um certo positivismo, nem tampouco tradução imperfeita do pensamento, vestimenta de idéias mudas e verdadeiras como a concebe um pensamento idealista. Pelo contrário, é criação de sentido, encarnação de significação e, como tal, ela dá origem à comunicação (LEITE apud SILVA, 2010).
Na perspectiva do Funcionalismo ganham relevo o trabalho dos linguistas André Martinet e Halliday. O primeiro defende, como princípio teórico, a definição de língua como “instrumento de comunicação duplamente articulado e de manifestação vocal”. O segundo defende uma abordagem sócio-funcional que incorpora a dimensão social à linguística. A linguagem, segundo ele, é dependente da cultura. Martinet pauta-se por uma linguística objetiva e generalista, seu trabalho consiste numa reflexão constante sobre a diversidade das línguas e as diferenças entre línguas. Os conceitos centrais de suas proposições linguísticas são apresentados em 1989 na obra Fonction Et Dynamique Des Langues. Conforme a conceituação de Martinet, os quatro domínios que consistem disciplinas autônomas compreendem: a Função, na qual “os traços linguageiros” são apreendidos e classificados em referência ao papel que desempenham na comunicação da informação; a Pertinência Comunicativa que advoga o fundamento de cada ciência em sua pertinência.
Na linguística funcional, estimamos que a pertinência é a pertinência comunicativa; a dupla articulação: fonemas e monemas, cada uma das unidades que resultam de uma primeira articulação está articulada a outras unidades; e a Linguística geral funcional, dividida em fonologia – o estudo da forma com que cada língua utiliza os recursos fônicos para assegurar a comunicação entre seus usuários, monemática - distingue os monemas lexicais e os monemas gramaticais; c) sintemática - estuda os sintemas (...) um segmento de enunciado que comporta vários monemas lexicais combinados entre si; d) sintaxe - estuda as relações de dependência dos monemas e as funções que eles assumem em um dado enunciado. (PAVEAU & SAFARTI, 2006, p.136-138).
Dentre outros funcionalistas, Halliday tem destaque com a elaboração de uma Gramática Funcional, definida por NEVES (1997, p.2) como uma “teoria da organização gramatical das línguas naturais que procura se integrar em uma teoria global da interação social”. Halliday estabeleceu o modelo sistêmico-funcional a partir de sua abordagem sobre a linguagem atrelada à função social, com trabalhos que abrangem o texto e o discurso. Para ele, a linguagem é uma parte do processo social e ao mesmo tempo metáfora de tal processo. E denomina “metafunções” a articulação entre os dados sociais e as formas lingüísticas. Para ele “metafunções” são conceitos teóricos que “permitem compreender a interface entre a linguagem e o que está fora da linguagem”. O texto é privilegiado como unidade de estudo em vez da sentença ou unidade sintática. Ele propõe os seguintes tipos de função: a) ideacionais (ou cognitivas); b) interpessoais (ou modais); c) textuais.
Os formalistas do Círculo de Copenhaque, do qual Hjelmslev foi o fundador (1931), colocam-se, teoricamente, contra os funcionalistas do Círculo de Praga. Para os formalistas a língua é uma estrutura autônoma e deve ser interpretada como “uma unidade encerrada em si mesma”. CUNHA, Et.Al. (2003, p.19). Essa corrente encontrou sua expressão no contexto do Estruturalismo americano com os trabalhos de Bloomfield e Harris, apoiados nos estudos Antropologia. Na primeira metade do século XX, as teorias européias já estavam bastante difundidas na América do Norte. No entanto, os lingüistas se confrontaram com línguas cujas estruturas diferiam do paradigma europeu, fato que os levou a desenvolver uma Teoria da estrutura das línguas. E adotaram o método descritivo para o conhecimento das línguas ameríndias. Antes de 1950, entrou em cena o Descritivismo, ou Distribucionalismo, caracterizado por uma abordagem teórica abstrata da linguagem e pela negação dos postulados funcionalistas. Bloomfield, um dos principais expoentes do descritivismo estruturalista, “adotou uma perspectiva explicitamente behaviorista do estudo da língua, eliminando, em nome da objetividade científica, toda referência a categorias mentais ou conceituas.” (WEEDWOOD, 2002, p.131).
Sob o argumento de que os estudiosos da linguagem não dispunham de meios para definir a maior parte das significações, Bloomfield propôs uma organização das formas lingüísticas, que considerasse o caráter específico e estável de uma língua, a exemplo de algumas comunidades, nas quais alguns enunciados são semelhantes pela forma e significação. As formas lingüísticas, como unidades de sinal, suscitam respostas a uma situação entre os interlocutores, o significado é apenas um estímulo e uma reação verbal. Bloomfield distingue duas formas lingüísticas: a forma gramatical, constituída pela combinação dos texemas (traços de disposições gramaticais); a forma lexical pela combinação de fonemas que possui um sentido estável em uma comunidade lingüística. PAVEAU & SARFATI (2006, p. 151-152).
Na década de 60, Chomsky propôs uma teoria transformacional e gerativa, ou Gerativismo. Elaborou uma teoria geral, através da qual introduziu conceitos fundamentais de sua lingüística. Sua concepção de língua considera a capacidade do falante de exprimir pensamentos através das frases. Distinguiu “estruturas profundas” (o sentido), gerado pelas “estruturas de superfície”(a camada sonora) da frase. (PAVEAU & SARFATI (2006, p. 167-171).
Chomsky, embora fosse discípulo Harris que recebeu influência de por Bloomfield, empenhou-se em elaborar uma gramática que não se limitasse ao descritivismo, mas que desse conta de explicar as razões das transformações de uma determinada língua e de suas as possibilidades de seqüências e combinações verbais e sonoras. Chomsky situou o trabalho do lingüista ao lado da competência dos falantes e dos conhecimentos intuitivos que estes têm sobre como usar língua.
A combinação do estruturalismo com o funcionalismo é também uma herança da Escola de Praga. Os funcionalistas são, portanto, estruturalistas na medida em que seu objeto é de fato a língua como sistema. Porém, a abordagem lingüística difere das abordagens formalistas, pois concebe a linguagem como um instrumento de interação social, e busca a motivação para os fatos da língua no contexto do discurso, extrapolando a investigação da estrutura gramatical. O tratamento de uma língua natural sob a perspectiva funcionalista, põe sob exame a competência comunicativa. A Perspectiva Funcional da Sentença (PFS) é um ponto fulcral para os funcionalistas, quanto à estrutura gramatical das línguas naturais.
CUNHA, Et.Al (2003, p.29) destacam outros aspectos que diferenciam o funcionalismo contemporâneo do formalismo: “primeiro por conceber a linguagem como um instrumento de interação social, e segundo por buscar no contexto discursivo a motivação para os fatos da língua.” Para esses estudiosos “a estrutura gramatical depende do uso que se faz da língua, ou seja, a estrutura é motivada pela situação comunicativa. Nesse sentido, a estrutura é uma variável dependente, pois os usos da língua, ao longo do tempo, é que dão forma ao sistema”.OLIVEIRA (2006, p. 98) observa que “Tanto o funcionalismo como o formalismo tratam do mesmo fenômeno: a língua. Contudo, a forma como vêem esse fenômeno é distinta, o que implica o uso de metodologias distintas no estudo desse fenômeno“.
Na perspectiva formalista, “a língua é analisada como um objeto autônomo, cuja estruturam, independe de seu uso”. Esta visão contrapõe-se à funcionalista que concebe a língua como um instrumento de comunicação, e como tal, “deve ser analisada como uma estrutura maleável sujeita às pressões oriundas das diferentes situações comunicativas que ajudam a determinar sua estrutura” (MARTELOTTA & AREAS, 2003, p. 20).
Há ainda outra divisão ou tipos de funcionalismo: o conservador, que aponta a inadequação do Formalismo ou do Estruturalismo, sem propor uma análise de estrutura; o moderado, que aponta essa inadequação e propõe uma análise funcionalista da estrutura; e extremado que nega a realidade da estrutura e considera que as regras se baseiam internamente na função, não havendo restrições sintáticas.
De modo geral, o Funcionalismo tem um denominador comum, porém podem ser distinguidos, pelo menos, dois tipos de funcionalismo: um funcionalismo direcionado a um modelo abstrato de uso da língua e outro, direcionado à língua tal como ela se manifesta em seu uso efetivo. Resumindo, formalismo e o funcionalismo são correntes teóricas da Lingüística do século XX através das quais os estudiosos da Língua buscam explicar os fenômenos lingüísticos. Embora estas correntes se ocupem do mesmo objeto de estudo e possuam entre si pontos convergentes, apresentam divergências quanto à forma de abordagem dos referidos fenômenos.


Referências Bibliográficas
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OLIVEIRA, Luciano Amaral. Formalismo e Funcionalismo: fatias da mesma torta. Disponível em acessado em 12/09/2006.
PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI, Georges-Elia. As grandes Teorias da Lingüística: da Gramática Comparada à Pragmática. São Carlos, Clara Luz, 2006. (Cap. 6 a 8)
SAUSSURE, F. de. Curso de lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 1969.
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WEEDWOOD, Bárbara. A lingüística no século XX. In: História concisa da lingüística. (tradução de Marcos Bagno) São Paulo, Parábola Editorial, 2002.
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