A Importância Do Funcionalismo Linguístico.
(Breno Rodrigues de Paula)
O funcionalismo constituiu-se como um
modo de pensamento e de analisar a linguagem e suas relações com o mundo. Ele
surge a partir dos trabalhos do Círculo de Praga e do Círculo de Copenhague, a
partir do qual nasce a Fonologia com Troubetskoï e a Glossemática com
Hjelmslev. A linguística oriunda do Círculo de Praga constitui um tipo de
revolução epistemológica nos enfoques europeus da língua, nos anos 20 do século
passado. Ele combinou o estruturalismo e o funcionalismo a partir do postulado
geral de que a estrutura das línguas é determinada por suas funções
características.
O postulado de que a língua tem uma
função, representou um grande avanço no estudo da Linguística na medida em que
foi incorporando fatores extralingüísticos na análise linguística. Desta forma,
a língua é aqui um sistema orientado para uma finalidade que é a da
comunicação, ou seja, a língua possui funções. A função foi definida como a
tarefa atribuída a um elemento linguístico estrutural para atingir um objetivo
no quadro da comunicação humana. O postulado do Círculo de Praga ressalta duas
funções gerais: a função de comunicação e a função poética, de modo que a
primeira é dirigida para um significado e a segunda é dirigida para o próprio
signo.
O funcionalismo privilegiou o método
sincrônico, alegando que somente uma análise de todo o complexo de fenômenos
que se produzem simultaneamente num dado momento permite apreender a
interdependência sincrônica que os relaciona no sistema. A escolha da sincronia
representou também a aproximação das pesquisas linguísticas com o campo social
da arte e da criação.
A outra grande contribuição do
funcionalismo pragueano foi o desenvolvimento da Fonologia com Troubetskoï. Ele
instaurou e sintetizou a Fonologia como disciplina e ressaltou a necessidade de
separar claramente a Fonética e a Fonologia. O som como fenômeno físico
tornou-se o objeto da Fonética, enquanto que o som considerado nas suas funções
tornou-se objeto da Fonologia. A partir da consideração da função do som, foi
criado o conceito de fonema, uma unidade fonológica que não se deixa analisar
em unidades fonológicas ainda menores e sucessivas. Seu conceito é, antes de
tudo, funcional e se mostrou de grande ajuda para a instauração da Fonologia
como disciplina autônoma.
O funcionalismo não se restringiu ao
Círculo de Praga. Ele estendeu-se e desenvolveu novos conceitos a partir do
Círculo linguístico de Copenhague, que teve a figura de Hjelmslev como
principal expoente. A teoria esboçada por Hjelmslev afirma que a análise da
língua é aquela de um conjunto de funções, isto é, de relações entre diferentes
variáveis do mesmo processo. O objetivo da análise linguística consiste em
interpretar toda formação dos signos como uma manifestação do sistema. Ele
distingue três tipos de funções: as relações de interdependência (entre uma
forma e outra – função interna), de determinação (entre uma forma e seu
significado – função semântica) e de constelação (entre o sistema de formas e
seu contexto – função externa).
Outra grande contribuição, feita por
Hjelmslev, foi a introdução de um terceiro termo na relação “langue/parole”
(desenvolvida por Saussure): a norma, procedendo a reinterpretação
norma/uso/esquema. A norma é concebida como generalização coletiva do uso.
Hjelmslev também afirma que o signo constitui uma função com duas variáveis, de
modo que o significado é redefinido como conteúdo e o significante como
expressão. Sua glossemática exerceu enorme influência sobre o desenvolvimento
da semiótica européia e estadunidense.
O funcionalismo é de fundamental importância
para a linguística contemporânea, suas premissas serviram de base e
impulsionaram o desenvolvimento e a sistematização da Linguística como uma
ciência. Suas premissas, sejam a partir do Círculo de Praga ou do Círculo de
Copenhague, criaram uma nova forma de divisão epistemológica do conteúdo da
Linguística, além de privilegiar o método sincrônico e desenvolver o principal
conceito do funcionalismo: o conceito de função – com a função poética e a
função comunicativa, sendo as estruturas das línguas determinadas por tais
funções. Influenciou, inclusive, no desenvolvimento de novas abordagens
teóricas neste campo: Teoria da Comunicação, Sociolingüística, Fonologia,
Semântica Estrutural, Poética Estrutural, etc.
Ressalta-se a importante contribuição
do psicólogo Karl Bühler, que desenvolveu uma teoria acerca das funções da
linguagem onde há três funções no ato da comunicação: a expressiva, a
informativa e a estética. Jakobson, posteriormente, fez sua contribuição
adicionando novos conceitos e elementos ao processo comunicativo, como as
noções de referente, emissor e receptor, e o canal, o código e a mensagem. Tabém
renomeou as três funções anteriormente desenvolvidas por Bühler, identificando-as
como função referencial, função emotiva e função conativa, acrescentando ainda
mais três funções: fática, metalingüística e poética.
A título de exemplo, uma das noções
desenvolvidas na Escola de Praga, foi a noção de marcação, que nas palavras de
Barbara Weedwood conceitua-se: "Quando
dois fonemas são distinguidos pela presença ou ausência de um único traço
distintivo, diz-se que um deles é marcado e o outro, não-marcado para o traço
em questão". (WEEDWOOD, 2002, p. 141)
Ainda segundo Barbara Weedwood, a
principal contribuição do funcionalismo à ciência da lingüística, no período do
pós-guerra, foi a distinção entre tema e rema, e a noção da "perspectiva
funcional" da frase ou "dinamismo comunicativo" que é a forma de
como a função comunicativa se relaciona com o contexto de um enunciado,
determinando assim a estrutura sintática de uma frase. O tema pode ser
entendido como tópico ou assunto psicológico; e o rema "é a parte que
veicula informação nova".
O funcionalismo, pois, concebe a
linguagem como um recurso que proporciona a interação social, permitindo aos
indivíduos relacionarem-se e expressarem-se uns com os outros validamente.
O funcionalismo é expresso de forma
clara na citação: "A linguagem não é simples emissão de sons, nem simples
sistema convencional, como quer um certo positivismo, nem tampouco tradução
imperfeita do pensamento, vestimenta de idéias mudas e verdadeiras como a
concebe um pensamento idealista. Pelo contrário, é criação de sentido,
encarnação de significação e, como tal, ela dá origem à comunicação (LEITE apud
SILVA, 2010).
Na perspectiva do Funcionalismo ganham
relevo o trabalho dos linguistas André Martinet e Halliday. O primeiro defende,
como princípio teórico, a definição de língua como “instrumento de comunicação
duplamente articulado e de manifestação vocal”. O segundo defende uma abordagem
sócio-funcional que incorpora a dimensão social à linguística. A linguagem,
segundo ele, é dependente da cultura. Martinet pauta-se por uma linguística
objetiva e generalista, seu trabalho consiste numa reflexão constante sobre a
diversidade das línguas e as diferenças entre línguas. Os conceitos centrais de
suas proposições linguísticas são apresentados em 1989 na obra Fonction Et Dynamique Des Langues.
Conforme a conceituação de Martinet, os quatro domínios que consistem
disciplinas autônomas compreendem: a Função, na qual “os traços linguageiros”
são apreendidos e classificados em referência ao papel que desempenham na
comunicação da informação; a Pertinência Comunicativa que advoga o fundamento
de cada ciência em sua pertinência.
Na linguística funcional, estimamos
que a pertinência é a pertinência comunicativa; a dupla articulação: fonemas e
monemas, cada uma das unidades que resultam de uma primeira articulação está
articulada a outras unidades; e a Linguística geral funcional, dividida em
fonologia – o estudo da forma com que cada língua utiliza os recursos fônicos
para assegurar a comunicação entre seus usuários, monemática - distingue os
monemas lexicais e os monemas gramaticais; c) sintemática - estuda os sintemas
(...) um segmento de enunciado que comporta vários monemas lexicais combinados
entre si; d) sintaxe - estuda as relações de dependência dos monemas e as
funções que eles assumem em um dado enunciado. (PAVEAU & SAFARTI, 2006,
p.136-138).
Dentre outros funcionalistas, Halliday
tem destaque com a elaboração de uma Gramática Funcional, definida por NEVES
(1997, p.2) como uma “teoria da organização gramatical das línguas naturais que
procura se integrar em uma teoria global da interação social”. Halliday
estabeleceu o modelo sistêmico-funcional a partir de sua abordagem sobre a
linguagem atrelada à função social, com trabalhos que abrangem o texto e o
discurso. Para ele, a linguagem é uma parte do processo social e ao mesmo tempo
metáfora de tal processo. E denomina “metafunções” a articulação entre os dados
sociais e as formas lingüísticas. Para ele “metafunções” são conceitos teóricos
que “permitem compreender a interface entre a linguagem e o que está fora da
linguagem”. O texto é privilegiado como unidade de estudo em vez da sentença ou
unidade sintática. Ele propõe os seguintes tipos de função: a) ideacionais (ou
cognitivas); b) interpessoais (ou modais); c) textuais.
Os formalistas do Círculo de
Copenhaque, do qual Hjelmslev foi o fundador (1931), colocam-se, teoricamente,
contra os funcionalistas do Círculo de Praga. Para os formalistas a língua é
uma estrutura autônoma e deve ser interpretada como “uma unidade encerrada em
si mesma”. CUNHA, Et.Al. (2003, p.19). Essa corrente encontrou sua expressão no
contexto do Estruturalismo americano com os trabalhos de Bloomfield e Harris,
apoiados nos estudos Antropologia. Na primeira metade do século XX, as teorias
européias já estavam bastante difundidas na América do Norte. No entanto, os
lingüistas se confrontaram com línguas cujas estruturas diferiam do paradigma
europeu, fato que os levou a desenvolver uma Teoria da estrutura das línguas. E
adotaram o método descritivo para o conhecimento das línguas ameríndias. Antes
de 1950, entrou em cena o Descritivismo, ou Distribucionalismo, caracterizado
por uma abordagem teórica abstrata da linguagem e pela negação dos postulados
funcionalistas. Bloomfield, um dos principais expoentes do descritivismo
estruturalista, “adotou uma perspectiva explicitamente behaviorista do estudo
da língua, eliminando, em nome da objetividade científica, toda referência a
categorias mentais ou conceituas.” (WEEDWOOD, 2002, p.131).
Sob o argumento de que os estudiosos
da linguagem não dispunham de meios para definir a maior parte das
significações, Bloomfield propôs uma organização das formas lingüísticas, que
considerasse o caráter específico e estável de uma língua, a exemplo de algumas
comunidades, nas quais alguns enunciados são semelhantes pela forma e significação.
As formas lingüísticas, como unidades de sinal, suscitam respostas a uma
situação entre os interlocutores, o significado é apenas um estímulo e uma
reação verbal. Bloomfield distingue duas formas lingüísticas: a forma
gramatical, constituída pela combinação dos texemas (traços de disposições
gramaticais); a forma lexical pela combinação de fonemas que possui um sentido
estável em uma comunidade lingüística. PAVEAU & SARFATI (2006, p. 151-152).
Na década de 60, Chomsky propôs uma
teoria transformacional e gerativa, ou Gerativismo. Elaborou uma teoria geral,
através da qual introduziu conceitos fundamentais de sua lingüística. Sua
concepção de língua considera a capacidade do falante de exprimir pensamentos
através das frases. Distinguiu “estruturas profundas” (o sentido), gerado pelas
“estruturas de superfície”(a camada sonora) da frase. (PAVEAU & SARFATI
(2006, p. 167-171).
Chomsky, embora fosse discípulo Harris
que recebeu influência de por Bloomfield, empenhou-se em elaborar uma gramática
que não se limitasse ao descritivismo, mas que desse conta de explicar as
razões das transformações de uma determinada língua e de suas as possibilidades
de seqüências e combinações verbais e sonoras. Chomsky situou o trabalho do
lingüista ao lado da competência dos falantes e dos conhecimentos intuitivos
que estes têm sobre como usar língua.
A combinação do estruturalismo com o
funcionalismo é também uma herança da Escola de Praga. Os funcionalistas são,
portanto, estruturalistas na medida em que seu objeto é de fato a língua como
sistema. Porém, a abordagem lingüística difere das abordagens formalistas, pois
concebe a linguagem como um instrumento de interação social, e busca a
motivação para os fatos da língua no contexto do discurso, extrapolando a
investigação da estrutura gramatical. O tratamento de uma língua natural sob a
perspectiva funcionalista, põe sob exame a competência comunicativa. A
Perspectiva Funcional da Sentença (PFS) é um ponto fulcral para os
funcionalistas, quanto à estrutura gramatical das línguas naturais.
CUNHA, Et.Al (2003, p.29) destacam
outros aspectos que diferenciam o funcionalismo contemporâneo do formalismo:
“primeiro por conceber a linguagem como um instrumento de interação social, e
segundo por buscar no contexto discursivo a motivação para os fatos da língua.”
Para esses estudiosos “a estrutura gramatical depende do uso que se faz da
língua, ou seja, a estrutura é motivada pela situação comunicativa. Nesse
sentido, a estrutura é uma variável dependente, pois os usos da língua, ao longo
do tempo, é que dão forma ao sistema”.OLIVEIRA (2006, p. 98) observa que “Tanto
o funcionalismo como o formalismo tratam do mesmo fenômeno: a língua. Contudo,
a forma como vêem esse fenômeno é distinta, o que implica o uso de metodologias
distintas no estudo desse fenômeno“.
Na perspectiva formalista, “a língua é
analisada como um objeto autônomo, cuja estruturam, independe de seu uso”. Esta
visão contrapõe-se à funcionalista que concebe a língua como um instrumento de
comunicação, e como tal, “deve ser analisada como uma estrutura maleável
sujeita às pressões oriundas das diferentes situações comunicativas que ajudam
a determinar sua estrutura” (MARTELOTTA & AREAS, 2003, p. 20).
Há ainda outra divisão ou tipos de
funcionalismo: o conservador, que aponta a inadequação do Formalismo ou do
Estruturalismo, sem propor uma análise de estrutura; o moderado, que aponta
essa inadequação e propõe uma análise funcionalista da estrutura; e extremado
que nega a realidade da estrutura e considera que as regras se baseiam
internamente na função, não havendo restrições sintáticas.
De modo geral, o Funcionalismo tem um
denominador comum, porém podem ser distinguidos, pelo menos, dois tipos de
funcionalismo: um funcionalismo direcionado a um modelo abstrato de uso da língua
e outro, direcionado à língua tal como ela se manifesta em seu uso efetivo.
Resumindo, formalismo e o funcionalismo são correntes teóricas da Lingüística
do século XX através das quais os estudiosos da Língua buscam explicar os
fenômenos lingüísticos. Embora estas correntes se ocupem do mesmo objeto de
estudo e possuam entre si pontos convergentes, apresentam divergências quanto à
forma de abordagem dos referidos fenômenos.
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Acesso em 23/09/2010
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In: História concisa da lingüística. (tradução de Marcos Bagno) São Paulo,
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